Distrito do Porto: Duas Mulheres ao Comando - VIDA DE BOMBEIRO

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domingo, 31 de agosto de 2014

Distrito do Porto: Duas Mulheres ao Comando

Actualmente o distrito do Porto tem dois Corpos de Bombeiros comandados por duas mulheres, Ilda Cadilhe (B.V. Povoa de Varzim), Isaura Rocha (B.V. Entre-os-Rios).

O Vida de Bombeiro colocou algumas questões a estas duas comandantes que muito amavelmente se mostraram desde o primeiro minuto ao nosso dispor.


VB-(Vida de Bombeiro)
IC-(Ilda Cadilhe)
IR-(Isaura Rocha)



VB- Por favor apresente-se. (Perfil)

IC- Ilda Maria Flores Cadilhe Coelho, 32 anos, licenciada em Contabilidade e Administração. Profissionalmente, sou formadora de Software de Gestão de Empresas na Sage Portugal desde 2007.

Entrei nos Bombeiros Voluntários da Póvoa de Varzim em 2000, como estagiária, tendo chegado a Bombeiro de 2ª na carreira de bombeiro. Em 2011 fiz provas de reclassificação para Oficial de Bombeiro.

IR- Isaura Rocha, Comandante do C.B. de Entre-os-Rios desde Fevereiro de 2014, adjunto de Comando durante 07 anos e bombeira há 20 anos. Mãe de dois futuros bombeiros e esposa de um bombeiro que emigrou para a Suíça para exercer enfermagem.

VB- Porque decidiu aceitar o cargo de comandante?

IC- Aceitei o cargo de Comandante, porque convenceram-me que tinha competências capacidades e as características individuais e pessoas para ocupar o cargo e para fazer um bom trabalho.

IR- A 1ª vez que fui contactada recusei, nunca foi um desejo, um sonho para mim, ser comandante. Após várias conversas e com o apoio incondicional do meu marido aceitei o convite, ser comandante para mim é muito mais exigente, pois eu sempre vi no meu Corpo de Bombeiros, uma Associação Humanitária, um local onde todos nós éramos heróis, só com um sorriso conseguíamos acalmar, transmitir segurança a um doente, podíamos ajudar a salvar a vida de alguém, apagar incêndios que colocavam em risco a sustentabilidade financeira adquirida através de anos e anos de uma família. 

Arriscávamos a nossa vida por desconhecidos e a maioria das vezes não éramos reconhecidos pelo trabalho que fazíamos, ainda éramos criticados, porque demoramos muito tempo a deixar a nossa família, o nosso trabalho, a colocar a nossa vida em risco, com uma condução menos segura para socorrer alguém (esse alguém por vezes apenas precisava de uma palavra mais confortante, de quem nos estava a criticar). Todas estas analogias, mistérios, perigos, sentimentos muito fortes e contraditórios... fascinavam-me. Como podia existir Homens e Mulheres capazes de superar tudo isto e no final apenas levarem para CASA o sentimento de dever cumprido?

Sei que ao aceitar o cargo de comandante, obriga-me a desmistificar esses sentimentos contraditórios vividos por todos os nossos bombeiros, no sentido de explicar o nosso voluntariado, a sua essência e importância. Ao ser Comandante, tenho obrigatoriedade de ponderação em todos os problemas, deteção de carências formativas individuais, exigências constantes, mas, adoro desafios e este cargo tornou-se no maior desafio na minha vida.

VB- Esperava o convite?

IC- Nunca imaginei que o convite me pudesse ser feito, por várias razões, por ser mulher, por ser nova de idade, por estar nos bombeiros apenas há dez anos e porque nunca pensei que acreditassem que eu pudesse fazer a diferença. O choque do convite foi tal, que acordamos o prazo de uma semana para poder dar uma resposta.

IR- Já tinha sido convidada para há dois anos exercer o cargo de 2º comandante, o qual não aceitei e semanas antes do nosso estimado comandante Luís Neves ter saído, teve algumas conversas comigo, sobre este assunto. Contudo, como sempre disse que não aceitava, fiquei admirada com a proposta.

VB- Como está a ser a experiência?

IC- Está a ser um enorme desafio e uma realização pessoal extraordinária, por poder pôr em prática algumas ideias e marcar a diferença.

IR- Um desafio diário, com um grau de exigência superior ao estimado.
Desafio, com muitos obstáculos que tenho consigo transpor com o apoio dos meus bombeiros, amigos, que estão sempre comigo nas horas que necessito, os meus chefes, que também estão a ter uma experiência diferente e o meu 2º comandante, por fazer parte desta equipa.

VB- Que objetivos tem para a corporação?

IC- O comando que lidero pretende divulgar a Associação e o Corpo Ativo, dando a conhecer à população as valências dos Bombeiros, as atividades e ocorrências em que somos envolvidos e obter o respeito e reconhecimento da população pelo altruísmo que nos é característico e pelo serviço que prestamos à população.

Simultaneamente, pretendemos disponibilizar ao Corpo Ativo as melhores condições possíveis (desde acesso a formação, melhoria de instalações, equipamentos e viaturas) para que se sintam motivados a servir o próximo.

IR- Para a Corporação tenho um objetivo específico, ter uma Corporação coesa e feliz, se conseguir ter uma corporação coesa e feliz significa que conseguirei transpor todos os obstáculos que possam surgir, pois os bombeiros quando estão unidos, são certamente uma das forças mais fortes que conheço.

VB- E quais as principais preocupações relativamente à corporação?

IC- Hoje em dia e com o ritmo de vida que levamos, é muito complicado que as pessoas disponham do seu tempo para estarem disponíveis para o voluntariado. E, o nosso é um voluntariado especial, pois se algumas vezes tem hora e dia marcado (como em outras formas de voluntariado), mas na maioria das vezes o nosso voluntariado é prestado sem marcação, nem previsão. Assim, e uma vez que os jovens estão cada vez menos disponíveis para fazer uma carreia de voluntariado, a minha maior preocupação é manter a motivação de todos os que se apresentam para estagiários e dos que prestam serviço à população há poucos, alguns e já há muitos anos.

IR- A maior preocupação é sem dúvida alguma, conseguir manter, unificar os bombeiros do Quadro Ativo com um voluntariado saudável e tentar recrutar mais elementos com o mesmo espirito para esta família.

Diariamente preocupo-me em adquirir mais formação para este C.B., com a segurança dos bombeiros, com mais E.P.I., mais espaços de convívio, de formação e em conseguir uma maior eficácia na resposta dos nossos meios de socorro.

A Emigração também é um fator muito preocupante neste C.B., infelizmente existem bombeiros desempregados, que apesar de gostarem muito deste C.B. não podem colocar esse sentimento á frente do seu dever parental.

VB- A população tem-na apoiado neste novo cargo?

IC- Sim, na sua maioria têm apoiado não só a mim como os Bombeiros, em geral. A forma como temos dado a conhecer o nosso trabalho e como temos envolvido, formado e informado a população faz como que nos compreendam melhor e por isso nos apoiem!

IR- Desde que passei a Comandante, não senti qualquer tipo de relutância por parte da nossa população, muito pelo contrário, tenho recebido muitas mensagens de incentivo.

VB- Quantos voluntários tem a corporação neste momento?

IC- Atualmente, o Corpo Ativo tem 80 elementos. O Quadro de Honra tem cerca de 23 bombeiros e o Quadro de Reserva dispõe de 49 elementos. Os Estagiários em período de estágio são 10 e outros 8 a aguardar nova escola.

A Associação dispõem a inda de um grupo de Infantes e Cadetes com cerca de 25 elementos e de uma fanfarra com 35 elementos, na sua maioria civis.

IR- Estou com cerca de 44 elementos no Quadro Ativo e com 30 elementos nas escolas de estagiários, cadetes e infantes.

VB- Do período em que foi bombeira, há alguma situação que a tenha marcado especialmente e que queira partilhar?

IC- Enquanto Bombeira integrava as equipas nas mais variadas ocorrências, pelo que são várias as que guardo na memória.

IR- Enquanto bombeira, desempenhava também as funções de socorrista e a precariedade financeira, alimentícia camuflada por um sorriso “forçado” ou um carro de alta cilindrada á porta dos doentes que solicitavam o nosso apoio, ASSUSTAVA-ME imenso. Todos nós temos a plena consciência que a nível financeiro estamos muito debilitados, mas existem muitas pessoas que têm vergonha desta fase da sua vida, então não deixam transparecer para o exterior das suas habitações, as suas fraquezas e verdades escondidas.

Nos incêndios florestais tive muitas situações em que a minha vida e a dos meus colegas estiveram em perigo, recordo todos esses momentos sempre que olho para os meus bombeiros, (pois apesar de ter passado as situações de risco com alguma parte deles,) fico cada vez mais convicta que a formação, o uso de EPI, o saber Estar, saber Fazer, a coordenação e chefia são os princípios fundamentais para combater os incêndios. Passa pelo Comando e pelas chefias instruir todos esses princípios aos nossos bombeiros e não é na época crítica dos incêndios florestais, é todo o ano e para qualquer tipo de ocorrência.

VB- Como acha que foi encarada a sua entrada para comandante pelos “seus” bombeiros?

IC- Penso que fui bem aceite! O apoio foi demonstrado desde que se tornou publico e a envolvência de todos no "muito que havia a fazer" penso que agradou à maioria. Costumo dizer que o sucesso do Comando é o reflexo do sucesso, do trabalho, da entrega e da disponibilidade de todos!

IR- Eu penso que fui bem aceite, já fazia parte do C.B., já integrava o comando, só mudou o cargo e as minhas responsabilidades.

VB- Quais as maiores dificuldades que encontrou até hoje neste novo desafio?

IC- A responsabilidade do cargo é imensa, a disponibilidade requerida é enorme e o tempo que disponho parece sempre curto... A minha maior dificuldade é, sem dúvida, o facto de não ter todo o tempo do mundo para dedicar ao cargo.

IR- Conseguir superar e modificar muitos pensamentos e algumas atitudes “enraizadas”.

VB- De que forma retrata os corpos de Bombeiros no distrito do Porto?

IC- No distrito de Porto há muita camaradagem. É fabuloso encontrarmo-nos a trabalho em variados locais e sentir-se que não há diferenças entre as Corporações!

IR- Bombeiros capazes, eficazes e com muito espirito de altruísmo.

VB- Como antevê o futuro do seu corpo de Bombeiros?

IC- O futuro dos Bombeiros da Póvoa de Varzim, que eu consigo antever, são os 3 anos que disponho para dar continuidade ao meu projeto! Pretendo fazer mais e melhor pelos Bombeiros que prestam um serviço público e garantir o melhor socorro a quem connosco se cruza!

IR- Infelizmente temo pelo futuro do voluntariado por causa da emigração, temos o nosso futuro nas mãos dos nossos jovens, Eles são a sustentabilidade do nosso voluntariado, temos que assegurar a sua formação.

VB- Como é a relação entre comando e direcção. Os vossos anseios têm sido atendidos?

IC- Nos Bombeiros da Póvoa de Varzim, felizmente, há uma grande equipa de trabalho que envolve Direção e Comando. Os objetivos são os mesmos e as linhas de trabalho também, pelo que facilita e muito a resolução dos problemas com que nos deparamos diariamente!

IR- O Comando e a direção deste Corpo de Bombeiros trabalham em conjunto e em prol da associação, estamos atentos ás necessidades e sempre que é possível mediante a prioridade a nossa direção comparticipa com o equipamento.

VB- A emigração tem afectado o número de voluntários na corporação?

IC- Um pouco. Deste Corpo de Bombeiros foram já sete os Bombeiros que tiveram de procurar trabalho em outros países ou em outros áreas do país, deixando de estar disponíveis para a causa do socorro.

IR- Infelizmente, a emigração é dos nossos maiores problemas neste momento.

VB- Como está a decorrer esta época de incêndios?

IC- Para já, este ano tem sido de pouco trabalho no que respeita a incêndios florestais. No entanto, receio que quando o país já não estiver assegurado pelo dispositivo, mais para o fim do ano, o pior venha a acontecer.

IR- Até ao momento, temos poucas ocorrências e de fácil resolução, neste momento temos duas equipas afetas ao dispositivo o que facilita intervir de imediato com um ataque musculado.

VB- Consegue eleger o momento mais feliz e o mais triste nestes anos?

IC- Tristes são todos os momentos relacionados com acidentes ou doenças dos Bombeiros ou seus familiares próximos dos Bombeiros que lidero.

Um momento feliz foi o da receção do contacto do Sr. Fernando Ribeiro, para a oferta de material e equipamentos de Bombeiros. Sem dúvida, mudou o nosso dia a dia!

IR- Sou muito emotiva, logo, tenho muitos momentos marcantes aqui no C.B., fico sempre muito triste quando vejo os Bombeiros a emigrar, deixando o voluntariado e esta nobre causa para trabalhar fora do nosso país, quando regressam de férias é com grande satisfação que os vejo a visitar o Quartel, a verificar os seus armários e a questionarem sobre as mudanças. As mensagens de apoio, incentivo e de agradecimento que recebemos da nossa população após uma ocorrência é dos momentos mais gratificantes que tenho.

VB- Na sua opinião, qual é o ponto fraco e o ponto mais forte da sua corporação?

IC- O ponto forte é sem dúvida os Bombeiros e Bombeiras que compõem a massa humana, que diariamente, deixa as suas famílias e dispende do seu tempo livre para se dedicar à comunidade.

O ponto fraco é a falta de sensibilidade e de respeito do nosso maior cliente (Hospital da Póvoa de Varzim), para quem trabalhamos diariamente e em que a falta de pagamento dos serviços que prestamos ultrapassa os 300 mil euros.

IR-O ponto forte é sem duvida quando definimos um objectivo, é sempre muito bom conseguir atingir esse objectivo, mas sem duvida alguma que o sucesso desse objectivo passa pela união do grupo, porque senão existir união, é extremamente dificil conseguir atingir qualquer objectivo.

O ponto fraco é mesmo a emigração dos bombeiros, infelizmente nos ultimos anos temos perdido muitos elementos, é muito triste e muito complicado perder 40 elementos em 5 anos.

VB- Deixe uma palavra aos bombeiros, não só do seu CB mas sim no geral.

IC- Cada Bombeiro tem que se sentir especial, pois nós fazemos o que cada cidadão é capaz de fazer, mas poucos são os que se comparam a nós! O orgulho deve encher-nos o coração, para que nos sintamos motivados para dar continuidade a uma missão que foi, voluntariamente, escolhida por cada um de nós!

Às famílias, também gostaria de deixar uma palavra de agradecimento e de reconhecimento, pois cada Bombeiros só está em paz e feliz no cumprimento da sua missão porque tem, sempre à sua espera, uma família que o apoia e respeita na sua escolha!

Ilda Cadilhe (B.V. Povoa de Varzim)


IR- Somos um exemplo a seguir, o voluntariado não pode ser extinto, a nossa força, garra, coragem e espirito altruísta fazem toda a diferença.

Devemos agir sempre com muita precaução e em segurança, o Corpo de Bombeiros deve ser visto como uma 2ª CASA e como tal, devemos cuidar dela, sermos responsáveis por aquilo que fazemos mas também exigir os nossos direitos e não deixar que os bombeiros só sejam lembrados de Junho a Setembro.

Isaura Rocha (B.V. Entre-os-Rios)

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